A mediunidade, é sabido, trata-se da capacidade dos indivíduos interagirem com outras realidades. Não é o corpo que traz mediunidade e sim o espírito humano, de modo que a mesma se manifesta também nas realidades espirituais; não é algo apenas para os encarnados.
No entanto, aqui nossa reflexão se dá especificamente no questionamento sobre: quais desdobramentos positivos o exercício mediúnico oferece ao indivíduo?
Sei que esta questão proporciona infinitas respostas. Entretanto, no meio umbandista cabe observações bem críticas sobre o que se pensa, se ensina e se reproduz neste campo.
Dia desses, ministrando uma aula de Formação Mediúnica, lembrei-me de alguns absurdos que ouvia no meu início na religião. Certa vez, ouvindo duas senhoras dialogando sobre suas vivências mediúnicas, comentaram que não gostavam de trabalhar com Preto Velho. Me assustei com tal afirmativa, pois me parecia inusitado que alguém fizesse este tipo de alegação; eu, muito curioso e ainda sem nada entender sobre estes assuntos, questionei o porquê desta objeção e uma delas lamentou:
– É que meu nego véio morreu com envenenamento na perna e sempre que ele vem eu sinto muitas dores na perna e só no dia seguinte passa a dor…
Elas continuaram nesta linha de afirmações e é claro que me assustei; deveria este tipo de “ensinamento” no mínimo me afastar desta nova religião, mas, ao mesmo tempo, achei incrível que alguém tivesse tantas sensações físicas e era uma pena que fosse dor; eu só sentia vibrações, achava o máximo esta experiência e isso bastava.
Claro que mais tarde eu descobriria que estas ideias são equivocadas, não se fundamentam na prática mediúnica saudável e certamente são reflexos da incultura sobre mediunidade ainda muito presente na Umbanda.
Vamos nos desprender deste apego fenomênico, fantasias e inutilidades conceituais e olhar mais atentamente sobre a rica experiência mediúnica que a Umbanda proporciona.
No momento da incorporação, o médium se encontra num estado alterado de consciência, ou melhor, estado mediúnico de consciência, ou seja: suas ideias e pensamentos normalmente não são mais seus, ao menos não em sua totalidade. A mente do médium é sobreposta por outra consciência, transcendente, normalmente superconsciente e conduzirá o médium para um desdobramento percepcional profundo, intenso e pontual. Pois a cada nova conexão/incorporação uma nova proposta lhe é oferecida. E este desdobramento é um olhar para si, ainda que esteja presente neste momento uma ponte, o consulente, pois é no objetivo de interagir com os consulentes que vem em busca de uma ajuda qualquer que estamos sempre diante pontes para nos acessarmos, pois o acaso é pouco provável e todos nós somos semelhantes também em nossos desafios, problemas e dificuldades.
Se o caso de um consulente é o desemprego, este é apenas o resultado da consequência, não é isso que cabe aos Guias ou mesmo ao médium observar; não se trata de oferecer simpatias, receitinhas de “como arrumar um novo emprego”, até porque todo mundo sabe, visite RHs, simples assim. Mas, a questão é atentar-se aos desequilíbrios que dificultaram o envolvimento do indivíduo dentro da estrutura de trabalho que outrora estava envolvido e que provavelmente configura a paralisia neste processo, ou seja: o desemprego que por si só potencializa outros desajustes e desequilíbrios.
Vivemos num mundo doente, uma sociedade doente, uma cultura doente, desequilibrada, desajustada e é neste contexto atual que vemos cada vez mais médiuns surgindo, milhares de pessoas diariamente descobrindo-se médiuns. Há, portanto, uma proposta.
Esta condução do “olhar para si”, promovido por outras consciências sobrepostas à sua é a manifestação do amor que existe numa grande teia relacional à qual cada um de nós estamos emaranhados e que envolvem encarnados e desencarnados. A isto denomino “cidadania espiritual”, mas já é outro assunto. Portanto, o exercício mediúnico é a constante e preciosa oportunidade para um despertar consciencial, pois estamos imersos num oceano de ilusões e desarranjos; logo, desenvolver autonomia, personalidade e pertinência no mundo tem sido cada vez mais um grande desafio.
À medida que o indivíduo compreende esta questão, absorve a sabedoria dos espíritos/consciências que interagem na sua mediunidade, inicia-se também uma vivência de maturidade espiritual, pois ouvir a voz do outro é dar ouvido a sua voz interior, levar em consideração os conselhos e ensinamentos é oportunizar para si uma integração com o todo. O contrário disso é dissociação e solidão, portanto dor e sofrimento.
É aí que começamos a observar o fator terapêutico do exercício mediúnico. Não confunda com a ideia de tratamento, não é isso, terapia na vida moderna virou sinônimo de tratamento imediato. O fator terapêutico da mediunidade é a rotina proposta do olhar para si, mesmo que para isso você esteja olhando para o outro. É um constante libertar-se, é uma proposta de vida saudável à medida que você aplica no dia a dia a experiência manifestada no momento do transe ou do estado mediúnico de consciência. De modo que não cabe nesta vivência o apego ao fenomênico à superficialidade e ao ego.
Mergulhar rotineiramente noutras consciências e validar esta experiência na sua autonomia comportamental configura resultados poderosos e se você, médium, ainda não se considera prova destas afirmações é porque certamente tem deixado todas as positivas influências dos espíritos “subirem” com eles quando o transe acaba; você volta para sua casa e sua vida fora do templo como se nada estivesse lhe acontecendo. Esta postura é nefasta e cedo ou tarde culminará num profundo vazio e o clássico questionamento: o que estou fazendo? Qual a utilidade disso? Estou no caminho certo?
Refletir, introspectar e se encontrar nestas conexões traz paz, serenidade e sensibilidade. Estas que são exigências mínimas para uma vida integrada com a natureza, com o seu meio. Sendo assim, nada é mais terapêutico, salutar e poderoso do que a mediunidade refletir na vida com resultados pacificadores.
Vivencie!
Saudações! Oxalá nos ilumine!
Publicado originalmente em: http://www.rodriqueiroz.blog.br
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